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sábado, 9 de setembro de 2017

Candeia (Homenagem)

TODAS AS MÍDIAS LEMBRAM O REI DA QUILOMBO (O Globo – SEGUNDO CADERNO - 07/09/2008 )


Ao completar 30 anos de morto, Candeia é homenageado em filme, peça, livro, CD e pelo Trem do Samba.

Um dos melhores compositores do samba, líder natural que cantou e brigou pelos direitos do negro e contra a descaracterização das escolas e do carnaval, Antônio Candeia Filho é cultuado em todas as rodas da cidade. Mesmo assim, talvez ele seja, do seleto grupo de gênios do samba, no qual se incluem Cartola, Nélson Cavaquinho, Zé Kéti, Martinho da Vila, Paulinho da Viola, Elton Medeiros e poucos outros, o mais subestimado e o que tem a história e a obra menos conhecidas. Agora que se completam 30 anos da sua morte, no dia 16 de novembro, o fundador do Grêmio Recreativo de Arte Negra e Escola de Samba Quilombo, o ex-policial que — reza a lenda — perseguia até os sambistas amigos e viveu seus últimos 13 anos numa cadeira de rodas, aleijado por um tiro numa discussão de trânsito, terá sua trajetória revista em livro, filme, shows, um musical no Centro Cultural Banco do Brasil e a homenagem no Trem do Samba.

“Ela era o Zumbi dos anos 60 e 70”, diz Noca.  A comunidade do samba aplaude a lembrança.

- Candeia era um gênio — diz Noca da Portela, que compôs “Mil réis” em parceria com ele e guarda outra inédita da dupla, “Se o rei mandou” (“Se o rei mandou, está mandado/ Se o rei falou, está falado/ O rei me deixou de canto chorado”). — Além do poder da musicalidade, da poesia, era um líder, o Zumbi daqueles anos 60 e 70. Tinha um poder de domínio sobre as pessoas. Quando ele cantava, era emocionante, sua voz ecoava em qualquer lugar. Era muito politizado. Tem uma frase na música que é a cara dele: “Liberdade demais dá cadeia”. 

Noca lembra que, quando chegou à Portela, em 1966, Candeia era o presidente da Ala dos Compositores:

-  Cheguei recomendado pelo Paulinho da Viola e pelo Picolino, meu parceiro do Trio ABC. Ele disse que eu estava bem apresentado, mas que na Portela ninguém caía de pára-quedas. Disse que eu tinha a tarde inteira para fazer um samba. Em meia hora voltei com dois. Um deles era “Portela querida”.

Candeia nasceu em 17 de agosto de 1935, em berço de sambista, e sempre lembrava que suas festas de criança eram regadas a feijão, cerveja, cachaça e música, enquanto as de outras crianças tinham bolo e guaraná. Mas, se faltaram os doces na infância, o samba impregnou-lhe a alma. A tal ponto que, com 17 anos, vencia a primeira das muitas disputas que ganharia na Portela. E logo do mestre Manacéia, campeoníssimo na época. Aos 24 anos, para sustentar a família, fez concurso para a polícia e se tornou detetive. Mas não um detetive qualquer. Negro, alto, forte, destemido e bom de briga, o policial Candeia era temido até pelos amigos do samba.

- A figura dele era controversa. Muitos sambistas antigos reclamavam que ele chegava cobrando identidade e levando em cana quem estava em situação irregular. Consta que chegou a prender o próprio irmão. Mas outros dizem que ele estava certo, já que era a função dele — conta João Baptista Vargens, biógrafo do sambista.

Ainda menino, Vargens se tornou amigo de Candeia. Após a morte do sambista, ele resolveu participar do concurso de monografias da Funarte. O resultado é o ótimo livro “Candeia — Luz da inspiração”, cuja terceira edição será lançada no dia 2 de dezembro, Dia Nacional do Samba, na Central e em Oswaldo Cruz.

Nesse dia também, ele será homenageado no principal palco sobre trilhos do Trem do Samba, a festa organizada por Marquinhos de Oswaldo Cruz. Sambas como “Dia de graça”, “Minhas madrugadas”, “Luz da inspiração”, “Pintura sem arte”, “Filosofia do samba” e outros serão entoados em todos os vagões.

- Haverá também um show no Rival e outro na Uerj, este simbolizando o fato de ele ter sido o primeiro a cantar e a falar sobre a presença do negro na universidade. Candeia tinha uma visão acima de todo mundo, além do próprio movimento negro que existe hoje — conta Marquinhos. — Há cinco anos, conheci um senador americano que visitava o Brasil e tinha vivido o movimento negro americano, conhecido Martin Luther King. E ele sabia de toda a vida do Candeia. E se emocionava ao ouvir o samba dele e de Dona Ivone Lara: “Eu não sou africano/ Nem norte-americano/ Ao som da viola e pandeiro/ sou mais o samba brasileiro”.

Ao voltar de uma noitada, já na manhã de 13 de dezembro de 1965, Candeia se envolveu em uma briga de trânsito no Centro do Rio. Depois de bater em dois passageiros e esvaziar seu revólver nos pneus do caminhão que se chocara com seu carro, ele levou cinco tiros do motorista. 

- Das várias histórias que rondam esse acidente, uma diz que ele tinha batido em uma prostituta na Lapa, que lhe rogou uma praga — conta Vargens. — Mas acho que ali ele viu que a vida não era aquilo que ele pensava. Então, usou todo o seu talento para fazer a melhor parte de sua obra. Ele era completo. Excelente nas três vertentes do samba: o samba-enredo, o de terreiro e o partido-alto. 

Documentário e peça no CCBB retratam o mestre.

Candeia ainda é tema central do documentário “Eu sou o povo”, de Bruno Bacellar, Regina Rocha e Luís Fernando Couto, e da peça “Samba na veia, é Candeia”, de Eduardo Ceschin Rieche, que será encenada no Centro Cultural Banco do Brasil, em outubro e novembro. Estão ainda programados uma exposição de fotos na Central e um CD comemorativo da data com arranjos de Paulão 7 Cordas. 

Candeia morreu pouco antes do lançamento de seu melhor disco, “Axé”, produzido por João de Aquino. Ali estavam imortalizados os versos da música-símbolo de sua obra, “Dia de graça”, em que, antes de qualquer discussão de cotas, evocava a ida do negro do samba para a sala de aula: “Deixa de ser rei só na folia/ Faça de sua Maria uma rainha todos os dias/ E canta o samba na universidade/ E verás que seu filho será príncipe de verdade”.

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