LEMBRANÇAS E SUCESSOS
DE PAULINHO DA VIOLA (O GLOBO -
01/12/2007)
Convidado dos Encontros O GLOBO Especial Música, sambista canta e tira dúvidas de jornalistas e leitores.
Antes de entrar no palco como convidado do Encontros O GLOBO Especial Música, anteontem, no auditório do jornal, Paulinho da Viola teve um breve encontro com seus entrevistadores — os jornalistas Antônio Carlos Miguel, João Máximo e Zuenir Ventura. Brincando, pediu a eles que não fizessem perguntas difíceis. Não adiantou. Muitas delas foram recebidas com um sorriso e um “essa é difícil” — desde sua relação com as escolas de samba até a falta de canções dedicadas ao seu Vasco da Gama, passando pelo Karmann-Ghia que está estacionado em sua garagem desde que foi comprado, em eterna restauração (um de seus hobbies extra-música, ao lado da marcenaria).
- Quando o comprei, minha mulher estava esperando meu filho Pedrinho. Prometi que ia buscá-la na maternidade com o carro. Pedrinho já fez 21 anos e o carro continua lá — lembrou, para os risos da plateia.
Se no caso do Karmann-Ghia o “essa é difícil” vinha do constrangimento em assumir uma pequena esquisitice de sua personalidade, nas outras ele vinha mesmo da complexidade do assunto. Ou na complexidade do olhar de Paulinho sobre o assunto. A cada pergunta, o compositor se lançava numa longa e intrincada resposta, pontuada por reminiscências, abrindo parênteses que nem sempre se fechavam, procurando cercar todos os lados da questão — com a serenidade de quem reforma um carro ou constrói uma estante, sem pressa.
Um exemplo: ao ser perguntado sobre como se relaciona com as escolas de samba hoje, Paulinho lembrou, serenamente, como surgiu a primeira ala de crianças do carnaval carioca e uma conversa que teve com o responsável pelo som da Sapucaí sobre o alto volume da voz do puxador, que se sobrepõe ao coro dos componentes. No cerne da resposta, defendeu o que já disse em “Argumento”: “Faça como o velho marinheiro/ Que durante o nevoeiro/ Leva o barco devagar”.
- A escola tem uma história, sambas maravilhosos, e não pode dar as costas para isso. Não pode só pensar em dinheiro para ganhar carnaval. Dinheiro é ótimo, mas não pode ser só isso, porque senão não fica nada — argumentou. — Encontrei um diretor e, quando perguntei sobre a escola, a primeira coisa que ele me disse foi: “Estamos ótimos, botando dez mil pessoas no ensaio”. Para mim, é gente demais. Essa grandiosidade não pode ser o único parâmetro.
Sua história com as escolas, mais precisamente sua Portela, marcou um dos melhores momentos da noite. João Máximo repassou o pedido de um leitor do Globo Online, para que ele cantasse “Memórias de um sargento de milícias”, samba-enredo dele com o qual a escola desfilou em 1966. A primeira reação foi a cara de “essa é difícil”:
- Quem gravou essa não fui eu, foi Martinho (da Vila). Quando foi gravar, ele pediu para que eu cantar para ele ver certinho como era. Eu falei: “Canta o que você lembra para eu ouvir”. Quando terminou, eu disse: “É assim mesmo...” (risos)
Em seguida, puxou pela memória e tocou a primeira parte do samba. Ao fim, disse que era inexperiente quando o compôs e “defeitos” na composição (nota máxima e campeã do carnaval), ilustrando ao violão: o início (“Era no tempo do rei...”) jogaria “para baixo” a melodia, sobretudo depois do refrão (“Verias que uma paixão...”), o que era sentido na avenida.
- Só muito tempo tempo depois fui entender essa coisa de compositor de escola, de fazer samba para o povo. Eu fazia para mim — explicou.
Outro leitor fez a pergunta que, difícil ou não, foi a que teve a resposta mais breve do compositor. “Você considera superado o episódio do réveillon de 1995?”. Na ocasião, Paulinho recebeu um cachê menor que seus colegas Caetano, Gil, Chico, Gal e Milton, o que gerou um mal estar entre eles.
- Considero — afirmou, simplesmente sorrindo.
No repertório, “Cenários” e “Eu canto samba”
O artista, que lança no Canecão na próxima semana seu CD “Acústico”, lembrou para a platéia sucessos como “Cenários” e “Eu canto samba”. Nesta, incluiu um trecho de uma música inédita, com versos como “O samba é meu amigo, meu advogado/ (...) A quem faço minhas queixas sem ninguém ver”. Depois de falar que a canção não era dele, contou a história.
- Na adolescência, eu ficava nas redondezas da União de Jacarepaguá, ouvindo os ensaios. Quando acabavam, sempre passava um senhor, magrinho, que vinha sozinho com sua cuíca, cantando. Nunca esqueci, era uma figura de enorme felicidade. Um dos sambas que ele, Joãozinho da Cuíca, cantava, era esse — contou, revelando um personagem pouco conhecido de sua formação.
Na conversa, revelou outras curiosidades, como ao falar de seu processo de composição:
- Tenho facilidade em fazer melodias em cima de letras. O contrário para mim é um enorme sofrimento — disse. — Uma vez, tentando botar letra sobre uma melodia de Elton (Medeiros), uma outra música veio inteira na minha cabeça, melodia e letra (era “Memórias conjugais”). Escrevi em dois minutos e depois continuei tentando pôr os versos na do Elton.
Era Paulinho, entre canções e perguntas fáceis e difíceis.