CANTORAS SEGUEM LINHAGEM DA PORTELA (O GLOBO - 06/09/2005 )
Teresa supera conservadorismo com classe e cultura; Juliana supera inexperiência com repertório sólido
O mundo é meu lugar ao vivo - Teresa Cristina e Grupo Semente
Quem segue a linhagem nobre da Portela e de sua Velha Guarda sabe o que significa um samba do falecido Manacéa, o compositor dos compositores, o cérebro da Velha Guarda, o estilista de uma obra relativamente pequena porém bela e influente.
Pois é com um samba de Manacéa, “Amor proibido”, que Juliana Diniz não apenas abre seu primeiro CD, lançado pela Universal, como coloca-se no mundo do samba: eis uma cantora que aos 18 anos quer seguir a linhagem portelense do avô Monarco, do pai Mauro Diniz, do padrinho Zeca Pagodinho.
Morto há dois anos, Argemiro era o compositor da Velha Guarda que mais andava com a juventude, circulava pelas festas da Zona Sul, teve disco produzido por Marisa Monte, virou parceiro de Teresa Cristina. Pois Teresa abre seu terceiro disco, “O mundo é meu lugar” (Deckdisc), com dois sambas de Argemiro, o clássico “Gorjear da passarada” (parceria com Casquinha) e “A vida me fez assim”, de sua parceria com ele, ambos exemplarmente manejando metáforas e imagens inspiradas na natureza, especialidade do autor de “A chuva cai”.
Teresa Cristina reafirma som dos regionais da Lapa
Para Teresa Cristina, abrir com um autor da Velha Guarda um disco ao vivo, portanto retrospectivo, também é uma reafirmação de linhagem: eis uma jovem que cantora que, portelense de família, aproxima-se da escola de Oswaldo Cruz para alimentar-se esteticamente.
O abraço à linhagem portelense é o que há de semelhança entre as duas. Pois se Juliana estréia como cantora tentando trazer a tradição do samba para a própria geração de pós-adolescentes, e para isso vem com um disco de sonoridade contemporânea — grandiosa, orquestral — produzido pelos dois mentores dessa sonoridade, Rildo Hora e Zeca Pagodinho, Teresa prossegue em seu fito de consolidar, nos dias de hoje, a velha sonoridade das rodas de samba reestilizadas na noite da Lapa, calcadas em regional de violão, violão de 7, cavaquinho, clarinete, pandeiro e demais percussões, aqui conduzidos pela experiência de Paulão 7 Cordas.
O abraço à linhagem portelense é o que há de semelhança entre as duas. Pois se Juliana estréia como cantora tentando trazer a tradição do samba para a própria geração de pós-adolescentes, e para isso vem com um disco de sonoridade contemporânea — grandiosa, orquestral — produzido pelos dois mentores dessa sonoridade, Rildo Hora e Zeca Pagodinho, Teresa prossegue em seu fito de consolidar, nos dias de hoje, a velha sonoridade das rodas de samba reestilizadas na noite da Lapa, calcadas em regional de violão, violão de 7, cavaquinho, clarinete, pandeiro e demais percussões, aqui conduzidos pela experiência de Paulão 7 Cordas.
Se Juliana compensa sua inexperiência com a beleza da voz frágil e o jeito adolescente de cantar samba e com o carinho literalmente familiar de seus produtores e músicos, Teresa está segura como cantora e reafirma uma sonoridade desenvolvida há dez anos, diariamente na noite principalmente da Lapa, com seus parceiros de Grupo Semente.
Juliana busca uma seleção de autores contemporâneos — como Arlindo Cruz (“Nos braços da batucada”), Sombra, Sombrinha e Jotabê (“Ares do céu”), de veteranos como Dona Ivone Lara e Délcio Carvalho (“Nasci para sonhar e cantar”, “Alvorecer”) a neófitos no mundo do samba como Marisa Monte e Arnaldo Antunes (a romântica “Eu sonhei com você”, parceria com Mauro Diniz). Teresa busca reafirmar-se como autora e revelar sua filiação, como faz quando justapõe a sua “Acalanto” (“Em todo samba que eu faço/Tem espaço eu ponho o mar”) com “O mar serenou”, de Candeia gravado por Clara Nunes, dupla a quem nitidamente pretende amalgamar numa só figura, o compositor-ideólogo e a estrela popular.
O CD e DVD (dirigido por Rodrigo Carelli) de Teresa foram gravados ao vivo no Teatro Municipal de Niterói. Recomendamos excepcional e veementemente o DVD. Menos pelas faixas a mais — embora seja significativo ver Teresa cantando “Quantas lágrimas”, de Manacéa, exclusiva do DVD, nitidamente dedicando-a com o olhar a Cristina Buarque, que transformou o samba em sucesso e faz um luxuoso vocal de apoio no show — e mais pelo que revela da artista Teresa Cristina.
DVD traz documentário sobre origens de Teresa
No DVD, dois elementos chamam a atenção: ver a recriação didática do samba tradicional; e o documentário inserido no DVD, “Dona de casa, me dá licença” (dirigido por Dora Jobim, Gabriela Figueiredo e Luiza Nazareth), que acompanha uma visita da cantora à casa da família na Vila da Penha onde foi criada. No primeiro caso chama a atenção, logo na abertura do DVD, a “exibição de ritmo” do grupo, os músicos transformando a banda numa antiga bateria da Portela, com direito ao agogô (por Paulão) tradicional e hoje abandonado na escola.
No documentário, ela revela o clique que a transformou na artista que é: ter ouvido, ainda criança, os discos de Candeia e ter descoberto que aquele universo negro à sua volta, entre a escola de samba e a umbanda, podia gerar beleza e arte, a despeito da pobreza.
Ao lado de outros autores da Portela, como Zé Keti (“Sorri”, com Elton Medeiros, só no DVD), Mauro Duarte (“Já era”), Paulinho da Viola (entre outras, o excepcional samba-choro “Coração imprudente”) e o falecido Ventura (“Se tu fores na Portela”), Teresa privilegia-se como compositora. Aí, uma boa notícia: de autora excessivamente conservadora e reverente (ainda que inspirada) em sambas como “Candeeiro” e “Pedro e Teresa” ela evolui para um tipo de samba mais moderno, como o novo, “Pra cobrir solidão”, em parceria com Zé Renato.
Com sua voz e sotaque deliciosamente pós-adolescentes, Juliana também destrincha repertório excepcional. É ao mesmo tempo maliciosa como pede o ótimo samba sincopado inédito e feminista de Paulinho da Viola, “Coração aos saltos” (“Mas na verdade o que ele quer de volta/É aquele tempo que mandava em mim”) e comportada no presente que ganhou da grife Monarco e Ratinho, um samba-choro em forma de conselho de avô, “Beijo na boca” (“Beijo na boca pode ser carinho/Beijo na boca pode ser paixão/Mas pode também ter espinhos”). Encara com firmeza um samba moderno, belo e difícil de Claudio Jorge e Luiz Carlos da Vila como “Princípio do infinito” e com simplicidade o samba de sabor adolescente “Eu sonhei com você”, cuja letra de Arnaldo Antunes cita Bilac (“Ora direis ouvir estrelas/Perdeste o senso, meu bem”) sobre a melodia tipicamente portelense de Marisa Monte e Mauro Diniz.
O tradicionalismo que vai se tornando mais leve com a experiência de Teresa Cristina e o ímpeto juvenil que tende a se encorpar com a experiência (e a genética) de Juliana Diniz fazem das duas (ao lado da força da natureza que é Nilze Carvalho) as novas vozes do samba carioca.
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