DONA TERESA, ESTRELA E ESCRAVA DA LAPA (O Globo - 24/09/2007)
Uma década depois de chegar ao bairro, cantora é a primeira a lançar um disco por uma grande gravadora.
Já se passaram dez anos desde que Teresa Cristina aportou na Lapa com um grupo de músicos, no bar Semente, para fazer um show em homenagem ao mestre portelense Candeia. A menina tímida da Vila da Penha, que cantava olhando para o chão, transformou-se na grande estrela da turma surgida no bairro, já correu mundo — cantando em lugares distantes como a Holanda e a Índia — e agora é a primeira de sua geração a fechar contrato com uma grande gravadora, a EMI. O disco “Delicada”, era, na verdade, o último projeto da antiga gravadora de Teresa, a Deckdisc, que foi comprado pela multinacional. Apesar de ganhar o status de aposta e de já usufruir de um certo sucesso (“sambista não é famoso, é conhecido”, diz), só agora ela terá seus CDs distribuídos nacionalmente e um bom investimento em marketing. Nessa nova etapa, Teresa amplia o leque de possibilidades do que costuma chamar de samba, gravando de Rui Maurity a Caetano Veloso, e revê a sua relação com o bairro e sua geração.
- A Lapa foi e é fundamental para a minha geração. O convívio entre os músicos é riquíssimo. Sou cria da noite e sem ela não fecho as minhas contas no fim do mês. Mas, hoje, percebo também que a noite escraviza, superexpõe o artista. Quem faz quatro horas de show? — questiona Teresa. — Ali não sou dona do meu repertório, quem manda é o povo, e, se eu não me adequar, a resposta vem em barulho.
Mesmo depois de fechar com a EMI, Teresa optou por manter intacto o CD em que ressalta a parceria com o Grupo Semente, formado pelo cantor e pandeirista Pedro Miranda, pelo cavaquinista João Callado, pelo violonista Bernardo Dantas e pelo percussionista Trambique. Assim sendo, o disco tem espaço para o choro “João teimoso”, de Callado e para a voz de Miranda, em “Quebranto”, de Alfredo Del-Penho e Zé Luís, e na clássica “Rosa Maria”, de Aníbal da Silva e Éden Silva.
- Fico feliz por ter uma música do Alfredo Del-Penho no disco. É uma forma de mostrar que há muita coisa boa sendo feita. Tentei uma parceria com o Edu Krieger, mas ele mandou uma música pronta. Passei dois anos para terminar a primeira composição com a Ana Costa, mas agora vai engrenar — conta. — A solução para que essa produção apareça é gravar. O Pedro Holanda e a Mariana Bernardes já deveriam ter discos na rua, são dois guerreiros, dois grandes talentos.
Esse sentido de unidade com a sua geração pode ser medido por uma atitude simples: convidada pela EMI, ela foi diretamente ao presidente da Deck, João Augusto, e sugeriu que ele desse uma olhada no jovem Moyseis Marques.
- O João Augusto tem um grande artista na mão. A gravação de “Nomes de favela” (música de Paulo César Pinheiro) é um achado.
A música que abre “Delicada”, “Cantar”, é uma resposta poética aos que reclamam do fato de ela cantar de olhos fechados, o que nos dias atuais nem é tão verdadeiro. Lembrando os versos “Cantar é vestir-se com a voz que se tem/ Achar o tom da alegria perdida/ E não ter que explicar para ninguém”, ela diz que não há rancor na canção:
- Não queria que saísse nada rancoroso, mas sim dar uma resposta. Ninguém é culpado por gostar ou não das coisas que eu canto, do meu modo de interpretar.
A regravação de “Gema” de Caetano Veloso, foi a forma de acabar com uma cisma antiga e curiosa. Para a sambista, muita gente achava que ela não gostava de Caetano simplesmente por ter gravado um disco inteiro de músicas de Paulinho da Viola. Os dois astros da MPB estão rompidos desde o episódio dos cachês do réveillon de 1996:
- Sempre tive essa sensação. Certa vez fiz uma participação no show do Moinho da Bahia e o Caetano estava lá. No fim, ele apareceu no camarim, e eu, nervosa, pedi um samba. Mas logo ele lançou o “Cê” e eu vi que ele estava em outra onda. Então resolvi gravar “Gema”, que é uma música que sempre cantei em casa.
A canção de Rui Maurity, “Nem ouro, nem prata”, também tem uma boa história. Teresa ia gravar “Sete cantigas para voar”, de Vital Farias (o disco se chamaria “Sete cantigas”). O conceito estava ali: sete canções autorais, sete de outros autores.
- Mas a música não foi liberada e eu fiquei louca. Perdi a música, o conceito... Então resolvi apelar para a macumba. Cheguei no terreiro e de cara tocaram “Eu vi chover, eu vi relampear...”. Eu conhecia esse ponto de uma música do Ruy Maurity, que ouvia muito quando era garota.
“Choro, xote e canção estão incluídos no samba”, diz.
O repertório ainda traz uma “Pé do lageiro”, do maranhense João do Vale, e o resgate da canção “Carrinho de linha”, do baiano Walter Queirós.
- Acredito no samba com algo abrangente, onde estão incluídos o próprio choro, o xote, a canção. Aprendi a não me agarrar a nenhuma bandeira. Quando a gente envelhece, não ganha apenas rugas, mas também paciência e maturidade.
E é nessa artista madura que aposta o presidente da EMI, Marcelo Castello Branco:
- Quando eu morava na Espanha, vim ao Brasil, de férias, vi a Teresa no Carioca da Gema.
Me impressionou a maneira dela cantar. Ela personifica esse segmento e nosso desafio é mostrá-la ao resto do Brasil.
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