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quarta-feira, 6 de abril de 2016

Velha Guarda da PORTELA (Trajetória)

ASSINATURAS ÚNICAS EM AZUL E BRANCO (O Globo - 28/09/2007) 



Documentário sobre a Velha Guarda da Portela reúne Marisa Monte e Zeca Pagodinho, e refaz trajetória do grupo.

O local escolhido foi a Portelinha, antiga quadra da azul-e-branco de Oswaldo Cruz. Na parede, numa foto antiga, Paulo da Portela, o fundador da escola, pairava soberano. O sambista que pregava “pés e pescoços ocupados”, ou seja, cobrava dos companheiros elegância no vestir como modo de se impor diante da repressão que o samba sofria no início do século passado, certamente teria aprovado o encontro entre a Velha Guarda, Marisa Monte e Zeca Pagodinho. O último dia de filmagens do documentário dirigido por Lula Buarque de Hollanda e Carolina Jabor, que tem Marisa como co-roteirista, foi um show de reverência à história dos compositores da escola.

Foram mais de nove anos desde que, em 1998, a equipe começou a acompanhar a luxuosa turma de veteranos sambistas, reunidos pela primeira vez por Paulinho da Viola, em 1970. A intenção inicial era fazer um DVD para ser lançado juntamente com o disco “Tudo azul”, que marcou a estréia do selo Phonomotor, de Marisa Monte. O disco trazia inéditas de antigos compositores portelenses, e as primeiras imagens colhidas foram justamente as do processo de seleção de músicas e de gravação. Mas a produção esbarrou na falta de patrocinadores, e a continuidade do filme tornou-se inviável. 

- Ficamos sem saber o que fazer com aquele material precioso e com o nosso desejo de fazer o filme. Então resolvemos que iríamos tocar o projeto do jeito que desse — conta Marisa, que não sabe definir o seu papel no filme. — Não sou protagonista nem fio condutor da história. Sou apenas co-produtora e co-roteirista. 

Os problemas enfrentados desde o início pela falta de dinheiro para produzir o filme causaram certa frustração, mas, olhando hoje para os nove anos gastos no projeto, Lula diz que foi um tempo inimaginável, mas que acabou ditando os rumos do filme. 

- Chegou um momento em que já tínhamos 200 horas de gravação, momentos históricos e não sabíamos qual caminho a seguir. Então paramos para rever tudo, tentar encontrar um conceito — conta. 

E a opção encontrada foi centrar o filme não em um personagem ou na história pessoal de cada compositor, mas sim nas características que unem todos eles: a simplicidade, a pureza, o lirismo e o desapego a qualquer vaidade. 

- Com o tempo a intimidade ficou maior e pudemos compreender melhor o universo deles, as relações humanas e a pureza na relação com a própria arte — explica Carolina. 

O filme traz imagens dos lançamentos dos discos de Argemiro Patrocínio e Jair do Cavaquinho, dois ícones da escola lançados pelo selo de Marisa e já falecidos; mostra os desfiles da Unidos do Jacarezinho, em homenagem a Monarco, e da Unidos de Santa Teresa, contando a vida da pastora Doca; além de desfiles da Portela nos últimos anos.

A equipe também promoveu encontros como o ocorrido na quadra da Portela, em que Zeca Pagodinho cantou com Monarco “Coração em desalinho” e “Portela, passado de glórias”, que, homenageando seu fundador, situa bem a escola sempre erroneamente relacionada com o bairro de Madureira: “Em Oswaldo Cruz, bem perto de Madureira/ todos só falavam Paulo Benjamin de Oliveira”. Marisa Monte lembrou “Doce melodia”, de Bubu da Portela, gravada por ela em “Anil amarelo cor-de-rosa e carvão”, de 1994, e “Volta”, uma canção inédita de Manacéia, descoberta por Marisa. 

- Procuramos familiares de compositores já mortos em busca de inéditas. Fomos à casa de Dona Neném, mulher de Walter Rosa, e ela disse que tinha picado tudo o que ele deixou — lembra. — Já a outra Dona Neném da Portela, a mulher de Manacéia, disse que ele não havia deixado nada. Depois de horas ela foi no quartinho onde ele dormia e trouxe uma malinha com fitas e escritos dele. 

Todos os compositores tinham outras profissões 

Marisa lembra que todos os compositores tinham outras profissões e que não viam a música como algo que pudesse render algum dinheiro: 

- Ser um poeta da comunidade já era símbolo de ascensão. E estes compositores têm um identidade impressionante, uma assinatura única dentro do samba. E eu jamais entenderia isso se eu não tivesse nascido no Rio. Minha relação com o samba é muito a minha cidade em mim — diz.

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