Há 40 anos, Paulinho da Viola, então um jovem de 28 anos, mas já com um disco gravado e conhecido por suas andanças pelo ZiCartola, pelo espetáculo “Rosa de ouro” e, principalmente, pela sua aparição com “Sinal fechado” no V Festival da Musica Popular Brasileira, da Rede Record, produziu informalmente um disco com suas principais referências dentro da sua escola de samba. Mais do que apresentar uma série de pérolas, ele trouxe à luz sambistas que provavelmente morreriam sem ser reconhecidos e formou a Velha Guarda da Portela. Dos participantes do disco, apenas Casquinha, na época apenas percussionista, está vivo, mas o disco, “Portela passado de glória”, lançado um ano depois, em 1970, e relançado agora pela Biscoito Fino, é um documento fundamental do samba.
- Eu participava de um time de artistas que de vez em quando se reunia para jogar umas peladas. O João Araújo, que fazia parte da turma, um dia me disse que estava assumindo o cargo de diretor artístico da RGE e perguntou se eu tinha algum projeto para oferecer. Na hora, eu disse que tinha, mesmo sem saber o quê. Dias depois, liguei para ele com a ideia de gravar os compositores antigos da Portela — lembra-se Paulinho.
O sambista conta que, já naquele tempo, a turma formada por João da Gente, Ventura, Alberto Lonato, Antônio Caetano, Manacéa, Chico Santana e outros não frequentava os ensaios, mas se reunia no bar do Nozinho para lembrar sambas antigos e mostrar sua produção.
- Naquele tempo, poucos iam à quadra, eles já eram de outra época, de outro mundo, por isso eu mesmo não conhecia a maioria daqueles compositores. Apenas o seu Ventura e o Alberto Lonato, eu já tinha visto. O João da Gente, eu conhecia, mas ele também não ia aos ensaios há muitos anos. O Mijinha, por exemplo, só conheci no dia da foto.
Paulinho então deu uma de repórter e foi à casa de Antônio Caetano para convencê-lo a reunir o grupo e pegar informações sobre cada um deles.
- É claro que eu, inexperiente, perdi um monte de informações. Ele era uma pessoa educadíssima, trabalhava no Museu Nacional de Belas Artes, pintava.
Por sinal, o produtor Paulinho da Viola era tão inexperiente quanto o jornalista. E mais: desprovido de qualquer equipe de apoio para o projeto. Marcou um ensaio na casa de um amigo de seu pai — o violonista César Faria, que, aliás, tocou no disco —, em Botafogo, e depois entrou em estúdio.
- O disco foi gravado no estúdio Havaí, no Centro, numa mesa de quatro canais. Éramos apenas eu, o técnico e os músicos. Gravamos em cinco dias. No primeiro, depois de horas de gravação, percebi que não tinha levado nada para eles comerem — lembra-se, dando uma risada. — Mas, pouco tempo depois, uma das pastoras abriu um farnel com frango, farofa e guaraná, para desespero do técnico. Expliquei para ele que aquilo era normal com o pessoal mais velho do samba, que sempre que era convidado para uma festa levava sua comidinha, para não ser pego de surpresa.
O disco fez um certo sucesso depois que Cristina Buarque estourou nacionalmente com “Quantas lágrimas”, de Manacéa. Isso fez com que, cinco anos depois, em 1975, a RGE relançasse o disco de forma, no mínimo, desrespeitosa, o que irritou Paulinho.
- Eles mudaram a ordem das músicas, para abrir com “Quantas lágrimas”, e, pior, trocaram a capa, uma foto linda da Marisa Alvarez de Lima por uma do Natal, que, apesar de portelense, nada a tinha a ver com o disco. Fiquei tão passado que fui na Odeon, minha gravadora na época, e reclamei. Houve uma reunião e, rapidamente, os discos foram recolhidos.
A inexperiência de Paulinho fez com que o encarte original saísse com alguns erros, como a troca do nome de Alberto Lonato por Nonato e a ausência do crédito de alguns músicos, corrigido em texto, agora, na nova edição. Outro problema foi o sumiço da fita master, o que impediu uma melhora da qualidade sonora. Mas ainda é um precioso documento.