Centenário de nascimento do lendário portelense será tema de debate na ABI.
Ele nasceu Natalino José do Nascimento. Por conta do destino, se transformou no homem de um braço só. Como primeiro bicheiro de uma escola de samba, virou lenda como Natal da Portela. É este personagem que será tema de debate hoje, na Associação Brasileira de Imprensa (ABI), às 16h, como parte das comemorações do centenário de vida do portelense morto em 1975.
A história de Natal ainda alimenta o imaginário de portelenses e de estudiosos do samba. Não é à toa, por exemplo, que o pesquisador Hiram Araújo, biógrafo do bicheiro, e que estará hoje na ABI, o compara ao deus Hermes. Para ele, poucas pessoas nascem dotadas de qualidades e virtudes atribuídas aos heróis.
- A Portela teve duas dessas criaturas: o Paulo da Portela e o Natal. Paulo era Apolo, o deus da poesia, da música e das artes. Natal, o Hermes, era o mensageiro de Júpiter, que preside a alquimia, a astúcia, o ardil e a trapaça — compara.
Família orgulhosa
A casa construída por Natal em Madureira — cujo teto é pintado com os bichos da contravenção — é conservada pelos filhos. Todos têm orgulho do pai, que chegou a cometer um homicídio, mas acabou absolvido, valendo-se da tese de legítima defesa. Osni José do Nascimento, o Nil, de 58 anos, quer transformar o local em centro cultural ainda este ano.
Natal teve seis filhos: Osmarina José do Nascimento, a Tureca, e Osmar José de Nascimento, o Mazinho, ambos mortos, são fruto do primeiro casamento. Do segundo, nasceram Nil; Odenir José do Nascimento, o Nésio, de 57; Odalea José do Nascimento, a Lea, de 52; e Odilea José do Nascimento, a Dilea, de 50.
— Meu pai foi um exemplo para todos. Não deixou ninguém se envolver com o jogo de bicho — afirma Nésio.
Fundador da Azul e Branco sem registro no papel
Como não poderia ser diferente, o ano do centenário de nascimento do contraventor também é um ano de polêmica. Afinal, Natal foi ou não fundador da Portela? As opiniões se dividem entre pesquisadores e diretores da escola. Convencido de que o bicheiro é fundador da agremiação, Hiram Araújo diz que ele se irritava quando falavam o contrário.
- A escola nasceu na chácara do seu pai, Napoleão José do Nascimento, em 11 de abril de 1923. Como não estaria presente? Ali, ele, Paulo da Portela, Antônio Caetano e Antônio Rufino fundaram o embrião da Portela — diz.
O grande problema, segundo Hiram, é que em 1978, com Natal morto há três anos, reconstituiu-se um documento mostrando que a escola havia sido fundada em 11 de abril de 1926 por Paulo da Portela, Rufino e Caetano, deixando o bicheiro de lado. O documento é assinado por Rufino, Caetano e Cláudio Bernardo. Para ele, este é um erro a ser reparado pela direção da escola.
Um personagem polêmico e suas histórias
Nascido em 31 julho de 1905 em Queluz, São Paulo, Natal veio para o Rio ainda menino. Já rapaz, nos anos 20, acabou tendo o braço direito amputado depois de um acidente ferroviário. Depois disso, começa a se aproximar do jogo. Nos anos 40, transforma-se em bicheiro e ganha força na Portela. Sua vida é marcada por polêmicas e histórias fantasiosas.
No desfile das escolas, em 1960, por exemplo, foi instituído a perda de pontos por atraso. Início de apuração e a Portela é penalizada por conta da nova regra. Preocupado, Natal dá um soco num policial, dando início a uma confusão. A apuração acaba suspensa.
Quando as coisas se acalmaram, ele propôs que cinco agremiações fossem proclamadas campeãs. Império, Salgueiro, Mangueira e Unidos da Capela então comemoram o título zombando da Portela. Só que todos, para delírio de Natal, haviam esquecido que a azul-e-branco tinha sido campeã nos três anos anteriores.
- Foi malandragem. As escolas comemorando um título e ele, um tetracampeonato — lembra Hiram Araújo.
Fonte: Jornal Extra 21/09/05